terça-feira, 12 de outubro de 2010

vestígios

noutros tempos
quando acreditávamos na existência da lua
foi-nos possível escrever poemas e
envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído
pelas salivas proibidas - noutros tempos
os dias corriam com a água e limpavam
os líquenes das imundas máscaras

hoje
nenhuma palavra pode ser escrita
nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras
ou se expande pelo corpo estendido
no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se

onde se pode- num vocabulário reduzido e
obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua
e nada mais se consiga ouvir

apesar de tudo
continuamos a repetir os gestos e a beber
a serenidade de seiva - vamos pela febre
dos cedros acima - até que tocamos o místico
arbustro estelar
e
o mistério da luz fustiga-nos os olhos numa euforia torrencial


 
Al Berto: "Horto de Incêndio"

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